“A pandemia não pode servir de desculpa para a irresponsabilidade fiscal.” Abrindo o Webinário de Orientações Técnicas, promovido pelo Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES), o presidente da Corte, conselheiro Rodrigo Chamoun, destacou a atuação do TCE-ES frente à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). “Este Tribunal fará o seu papel de guardião da LRF. Iremos garantir que as contas continuem equilibradas e assegurar que haja administração pública de pé no pós-pandemia”, afirmou.
O presidente do TCE-ES reconheceu o desafio dos atuais gestores, que vivenciam uma situação atípica não enfrentada por qualquer antecessor. Chamoun elencou os artigos da LRF que foram flexibilizados, recomendando atenção por parte dos gestores, para que não permitam o desequilíbrio das contas públicas. A gravação do webinário, disponível no canal da Escola de Contas Públicas (ECP) no YouTube, já conta com mais de 1.200 visualizações.
O tema central do evento foi o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus (LC 173/2020). O auditor do Núcleo de Controle Externo de Fiscalização de Pessoal e Previdência (NPPREV) Lyncoln de Oliveira Reis explanou acerca da política de pessoal no contexto da pandemia. “As atitudes que a gente tomar nesse tempo vão determinar se a situação vai estar melhor ou pior após a crise.”
Citando as Leis Complementares 101/2000 e 173/2020, ele expôs alguns desdobramentos da suspensão em caráter excepcional de algumas normas relacionadas às despesas e limites. Entre elas, está a definição contida na Lei de Responsabilidade Fiscal, de que, caso a despesa com pessoal ultrapasse os limites estabelecidos, o excedente deve ser eliminado nos dois quadrimestres seguintes.
Além disso, a Lei Complementar de nº 173 instituiu algumas diretrizes a serem seguidas até o dia 31 de dezembro de 2021 por entes da União, Estado, Distrito Federal e Municípios em relação à pandemia e à política de pessoal. Estão vedadas ações como: criação de cargos; alteração na estrutura de carreira e admissão de pessoal que impliquem em aumento de despesa, com algumas exceções.
No entanto, a norma também prevê excepcionalidades como a criação de cargos para acompanhamento da pandemia; reposição de cargos de chefia e vacância de cargos efetivos e vitalícios, desde que não acarretem em novas despesas; assim como contratações temporárias, cujo “excepcional interesse público”, citado no artigo 37 da Constituição Federal, é justificativa para o ato.
Lyncoln também discorreu sobre os limites com o aumento de gastos com pessoal nos 180 dias ao final de mandato e a suspensão de prazos de validade dos concursos públicos já homologados a nível federal, assim como o cumprimento dessa norma também pelos municípios.
Fonte de recursos
A União entregará aos estados, Distrito Federal e municípios, na forma de auxílio financeiro, o valor de R$ 60 bilhões. Esse recurso será repassado para aplicação em ações de enfrentamento à Covid-19 e na mitigação de seus efeitos financeiros.
O auxílio financeiro não possui natureza tributária. Ou seja, não integra as bases de cálculos para incidência de retenções destinadas ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb); à aplicação mínima de educação (Manutenção e Desenvolvimento do Ensino – MDE); e nem para aplicação mínima de saúde. Além disso, não integram a base de cálculo para repasse de duodécimo ao Legislativo.
Contribuições previdenciárias
Os impactos da Lei Complementar 173/2020 nas contribuições previdenciárias foi o tema abordado pelas auditoras de controle externo Simone Reinholz Velten e Raquel Spinasse Gil Santos, durante o webnário. Velten iniciou alertando sobre a suspensão dos pagamentos das contribuições patronais.
“Antes de os gestores tomarem essa decisão, quero alertar para que pensem na política previdenciária”, frisou Simone. O gestor, acrescentou, antes de elaborar o projeto de lei para suspender os pagamentos, deve pensar na gestão da previdência dos servidores públicos municipais. Ele é o responsável por manter o equilíbrio financeiro e atuarial de regime próprio, assinalou.
“Deve avaliar as vantagens e desvantagens desse procedimento, porque isso é uma faculdade que o artigo 9º concedeu aos gestores nesse momento de pandemia. Ou seja, é preciso ponderar se essa folga fiscal e financeira prevista nesse artigo serve para salvar vidas. Primeiro, analise se é necessária essa ação e se precisa desses recursos. Gestores públicos precisam saber as consequências desse artigo”, alertou.
A auditora Raquel Spinasse detalhou o tema. Ela explicou que a previsão da lei complementar 173/2020 está regulamentada pela portaria 14.816, publicada no último dia 22 de junho, no Diário Oficial da União (DOU). Essa portaria reforça que a suspensão dos valores depende de autorização de lei municipal, que deverá definir a natureza dos valores devidos ao RPPS que serão alcançados pela suspensão das prestações não pagas de termos de acordo de parcelamento firmados até 28 de maio de 2020, com base nos artigos 5º e 5ºa da portaria MPS 402/2008, com vencimento entre 1º de março e 31 de dezembro de 2020.
E também no caso das contribuições previdenciárias patronais devidas pelo município e não pagas, relativas às competências com vencimento entre 1º de março e 31 de dezembro de 2020.
Outro assunto abordado foi a necessidade de adequação dos RPPS às normas da Emenda Constitucional (EC) 103 – Reforma da Previdência – e Portaria 1348/2019. A auditora deixou um alerta: o município que não fizer as alterações no prazo previsto pela emenda poderá sofrer consequências, uma vez que a não adequação das alíquotas vai refletir no equilíbrio financeiro atuarial RPPS.
Artigo 42 da LRF
Coube ao secretário-geral de Controle Externo do TCE-ES, Rodrigo Lubiana Zanotti, abordar o os aspectos relacionados ao artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), tema controverso e que tem gerado amplo debate nos tribunais de contas brasileiros. O dispositivo estabelece a vedação imposta ao titular do poder ou órgão de contrair obrigação de despesa nos dois últimos quadrimestres do último ano de mandato que não possa ser cumprida integralmente no mesmo exercício ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem suficiente disponibilidade de caixa.
“A ideia é que ao assumir um mandato, o gestor administre as receitas e despesas de forma equilibrada, não deixando dívidas para o sucessor. E mais, na hipótese de ter herdado dívidas das gestões anteriores, que parte de suas receitas pudessem ser direcionadas ao pagamento dessas dívidas, caso nem todas possam ser pagas no mandato”, explicou.
Lubiana afirmou que, no TCE-ES, foi a decisão normativa nº 01/2018 que consolidou o entendimento da Corte sobre a apuração do artigo 42. O normativo estabelece que a expressão “contrair obrigação de despesa” refere-se ao momento da celebração do contrato administrativo ou instrumento congênere. O detalhamento dessa decisão consta na reedição do Manual de Encerramento de Mandato, disponível no portal do TCE-ES.
A LC 173/2020 impactou a apuração do artigo 42 quanto às obrigações contraídas para a implementação de ações de enfrentamento à Covid-19. A alteração dispensou os limites e afastou as vedações e sanções previstas e decorrentes de alguns dispositivos da lei, em especial do artigo 42, desde que os recursos arrecadados sejam destinados ao combate à calamidade pública. “O artigo 42 tem alta relevância para a garantia do equilíbrio intertemporal das contas públicas. A LC 173/2020 não é salvo conduto para que o artigo 42 seja descumprido”, destacou Lubiana.
Todas as palestras proferidas no webinário de Orientações Técnicas estão disponíveis no canal da Escola de Contas Públicas no YouTube. Dúvidas podem ser encaminhas pelo hotsite do TCE-ES sobre o coronavírus.