Esculpido na Lei n* 13.989/2020, publicada no dia 16/04/2020, recentíssima, acerca da telemedicina durante a crise causada pelo coronavírus (SARS-CoV-2).
Definição de telemedicina. Telemedicina é o “exercício da medicina mediado por tecnologias para fins de assistência, pesquisa, prevenção de doenças e lesões e promoção de saude” (art.3* da Lei).
Para o Conselho Federal de Medicina, telemedicina é “o exercício da Medicina através da utilização de metodologias interativas de comunicação audio-visual e de dados, com o objetivo de assistência, educação e pesquisa em Saúde.” (art. 1* da Resolução CFM n* 1.643/2002).
É o caso, por exemplo, do atendimento de pacientes por meio de telefones, tablets ou computadores.
TELEMEDICINA FICA AUTORIZADA DURANTE A CRISE CAUSADA PELO CORONAVÍRUS
O art. 1* da Lei n* 13.989/2020 “autoriza o uso da telemedicina enquanto durar a crise ocasionada pelo coronavírus (SARS-CoV-2)”.
A redação da Lei poderia ser mais cuidadosa. Isso porque “enquanto durar a crise ocasionada pelo coronavírus (SARS-CoV-2)” é uma expressão vaga e indeterminada. A palavra “crise” é ampla e envolve múltiplos fatores.
Diante disso, a melhor interpretação a ser feita é a de que a telemedicina está autorizada enquanto perdurar a situação de Emergência em Saúde Pública de importância Nacional (ESPIN), decretada por meio da Portaria n* 188, de 3 de fevereiro de 2020, do Ministério da Saúde.
ART. 2* DA LEI
O art. 2* da Lei n* 13.989/2020 repete o art. 1*, apenas invertendo a ordem da frase e acrescentando a expressão “em caráter emergencial”.
PACIENTE DEVERÁ SER INFORMADO DE QUE A TELEMEDICINA POSSUI ALGUMAS LIMITAÇÕES
O art. 4* O médico deverá informar ao paciente todas as limitações inerentes ao uso da telemedicina, tendo em vista a impossibilidade de realização de exame físico durante a consulta.
PADRÕES NORMATIVOS E ÉTICOS
A prestação de serviço de telemedicina seguirá os padrões normativos e éticos usuais do atendimento presencial, inclusive em relação à contraprestação financeira pelo serviço prestado (art. 5*).
Esses padrões terão que ser definidos pelo Conselho Federal de Medicina.
O MÉDICO ESTÁ AUTORIZADO, PELA LEI, A PRESCREVER RECEITAS MÉDICAS POR MEIO DIGITAL?
O parágrafo único do art. 2* da Lei n* 13.989/2020 previa expressamente essa possibilidade. Veja a sua redação:
Art. 2* (…)
Parágrafo único. Durante o período a que se refere o caput, serão válidas as receitas médicas apresentadas em suporte digital, desde que possuam assinatura eletrônica ou digitalizada do profissional que realizou a prescrição, sendo dispensada sua apresentação em meio físico.
Ocorre que esse dispositivo foi vedado pelo Presidente da República, que apresentou as seguintes razões:
“A propositura legislativa, ao dispor que serão válidas as receitas médicas apresentadas em suporte digital, desde que possuam assinatura eletrônica ou digitalizada do profissional que realizou a prescrição, sendo dispensada sua apresentação em meio físico, ofende o interesse público e gera risco sanitário à população, por equiparar a validade e autenticidade de um mero documento digitalizado, e de fácil adulteração, ao documento eletrônico com assinatura digital com certificados ICP-Brasil (Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira), como meio hábil para a prescrição de receitas de controle especial e nas prescrições de antimicrobianos, o que poderia gerar o colapso no sistema atual de controle de venda de medicamentos controlados, abrindo espaço para uma disparada no consumo de opioides e outras drogas do gênero, em descompasso com as normas técnicas de segurança e controle da Agência de Vigilância Sanitária – Anvisa.”
Deve-se ressaltar, no entanto, que, mesmo com o veto, o médico está sim autorizado a emitir receitas e atestados médicos à distância, em meio eletrônico, nos termos do art. 6* da Portaria n* 467/2020, do Ministério da Saude:
Art. 5* Os médicos poderão, no âmbito do atendimento por telemedicina, emitir atestados ou receitas médicas em meio eletrônico.
Art. 6* A emissão de receitas e atestados médicos à distância será válida em meio eletrônico, mediante:
I- uso de assinatura eletrônica, por meio de certificados e chaves emitidos pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP – Brasil;
II- o uso de dados associados à assinatura do médico de tal modo que qualquer modificação posterior possa ser detectável; ou
III- atendimento dos seguintes requisitos:
a) identificação do médico;
b) associação ou anexo de dados em formato eletrônico pelo médico; e
c) ser admitida pelas partes como válida ou aceita pela pessoa a quem for oposto o documento.
Parágrafo 1* O atestado médico de que trata o caput deverá conter, no mínimo, as seguintes informações:
I- Identificação do médico, incluindo nome e CRM;
II- Identificação de dados do paciente;
III- registro de data e hora; e
IV- duração do atestado.
Parágrafo 2* A prescrição da receita médica de que trata o caput observará os requisitos previstos em atos da Agência de Vigilância Sanitária – Anvisa.
(…)
PODER PÚBLICO SOMENTE IRÁ CUSTEAR ATIVIDADES DE TELEMEDICINA SE FOREM PRESTADAS PELO SUS
O art. 5* afirma ainda que não cabe ao poder público custear ou pagar pela prestação de serviço de telemedicina quando não for exclusivamente serviço prestado ao Sistema Único de Saúde (SUS).
CFM JÁ HAVIA AUTORIZADO A ATIVIDADE
Vale ressaltar que a Lei n* 13.989/2020 não chega a ser uma efetiva novidade. Isso porque o Conselho Federal de Medicina (CFM), em 2002, editou Resolução n* 1.643, definido e disciplinado a prestação de serviços através da telemedicina. Além disso, em março deste ano (2020), o Conselho Federal de Medicina reconheceu que, durante a pandemia do coronavírus, em razão das medidas de isolamento social, os médicos estavam autorizados a realizar outras atividades de telemedicina, além daquelas já previstas na Resolução n* 1.643/2020. Em março deste ano, o CFM autorizou:
* Teleorientação: para que profissionais da medicina realizem à distância a orientação e o encaminhamento de pacientes em isolamento.
* Telemonitoramento: ato realizado sob orientação e supervisão médica para monitoramento ou vigência à distância de parâmetros de saúde e/ou doença.
* Teleinterconsulta: exclusivamente para troca de informações opiniões entre médicos, para auxílio diagnóstico ou terapêutico.
Desse modo, a Lei n* 13.989/2020 somente corrobora com essa orientação do CFM.
DEPOIS QUE PASSADA A SITUAÇÃO DE CALAMIDADE DO CORONAVÍRUS (SARS-CoV-2), SERÁ POSSÍVEL CONTINUAR A TELEMEDICINA?
A Lei n* 13.989/2020 trazia a seguinte previsão:
Art. 6* Competirá ao Conselho Federal de Medicina a regulamentação da telemedicina após o período consignado no art. 2* desta Lei.
Como cognoscível, o que a Lei pretendia fazer:
* durante a crise atual do coronavírus: a telemedicina já está autorizada pela Lei n* 13.989/2020:
* passada a crise do coronavírus: a Lei afirmava que o CFM iria regulamentar como a telemedicina ocorreria.
Ocorre que esse art. 6* foi vetado.
O Presidente da República apresentou as seguintes razões:
“A regulação das atividades médicas por meio de telemedicina após o fim da atual pandemia é matéria que deve ser regulada, ao menos, em termos gerais, lei, como se extrai do art. 5*, incisos II e XIII, da Constituição.”
Desta maneira, segundo a posição defendida pelo Presidente da República, somente lei pode autorizar a telemedicina. Fulcrado e hialino com esse entendimento, se o Conselho Federal de Medicina fosse autorizado a regular a telemedicina, isso recalcitraria os incisos II e XIII do art. 5* da CF/88:
Art. 5* Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
II- ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (princípio da legalidade);
(…)
XIII- é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício e profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (norma de eficácia contida).
Como baluarte, não aparenta, juridicamente, correto o veto.
O art. 6* autorizava a telemedicina após a crise atual e apenas dizia que o Conselho Federal de Medicina (que é uma autarquia federal) deveria regulamentar o tema. Não havia, portanto, violação ao princípio da legalidade, mas simplesmente, uma comum e legítima hipótese de delegação legislativa.
O art. 8*, parágrafo 1*, da Lei n* 8.906/1994 é um exemplo:
Art. 8* Para inscrição como advogado e necessário:
(…)
IV- aprovação em Exame de Ordem que é regulamentado em provimento do Conselho Federal da OAB.
Vale avultar, que, não está se afirmando que é correta a autorização da telemedicina mesmo após o fim da pandemia. Isso é uma discussão médica em relação à qual não temos conhecimento para arbitrar. O que se está sustentando, é que, juridicamente, não há incostitucionalidade na autorização conferida pela lei para que a telemedicina seja realizada, delegando-se ao Conselho Federal de Medicina a regulamentação da matéria, trocando em miúdos, que, há, aplicabilidade através da autorização da telemedicina, por lei, precisando ser regulamentada ou não pelo Conselho, mas que ainda é uma matéria incipiente, passível de consolidação ou não, doravante como cânone cinzelado por todo o babel.
VIGÊNCIA
A Lei n* 13.989/2020 entrou em vigor na data de sua publicação em 16/04/2020.
Um forte abraço a todos e bom final de semana.