Pense, não em um furacão (que destrói e mata), mas numa tempestade tropical (que refresca e germina). Marcia Abraão é assim: uma mulher enérgica, cheia de força, amor e alegria. Por onde passa deixa sua marca com um gostinho de quero mais.
Ela mesma definiu o tema da entrevista com muita propriedade: “Mulher empoderada é aquela que tem poder de decisão e é quem decide”.
Sua infância foi como merecem todas as crianças e com um suporte e exemplos que formaram seu caráter e sua personalidade. “Minha infância foi muito feliz. Nasci e cresci em Paul, Vila Velha, e tive a oportunidade de brincar, como toda criança deveria fazer, sempre gostei de estudar. No primeiro ano primário, já cheguei sabendo escrever meu nome: Marcia e sabia que meu nome não tinha acento. As pessoas queriam me corrigir, dizendo que meu Marcia estava errado, e eu dizia que meu pai colocou meu nome assim: Marcia sem acento”.
Sua base familiar foi um fator determinante na definição de seu caráter e da sua personalidade. “Tive, graças a Deus, uma boa formação familiar, com bons exemplos na minha casa. Um pai trabalhador, guerreiro, honesto. Minha mãe também sempre foi uma mulher trabalhadora, filha de uma lavadeira, enfim, eu tive muitos bons exemplos e minha vida inteira foi trabalhar. Quando criança, por não ter condições financeiras, eu criava oportunidades de criar alguma coisa, às vezes um pouco escondido da mãe, né? Fazia chupe-chupe, colocava na caixinha de isopor, subia o morro e tentava vender meu chupe-chupe, que era feito de Q-Suco, porque era mais barato. Fazia do meu jeito, que não era tão profissional, mas eu fazia e ficava muito gostoso! Meu irmão fazia aviãozinho de isopor e eu vendia”.
Marcia carrega a marca da persistência e da força de vontade. “Tudo a gente fazia com muita garra e muita vontade e dou graças a Deus pela minha formação. Chegando agora aos meus 60 anos, posso dizer que eu tenho um caráter e uma personalidade muito forte, eu sempre soube o que eu quis na minha vida. Quando jovem eu queria ser funcionária pública. Foi uma decisão minha, então tudo que eu sou hoje, tudo que eu construí. Em alguns momentos não davam certo, mas eu persistia”.
Marcia funciona nos 220 W. “As pessoas dizem que eu tenho que ser mais devagar, mas eu não consigo ser devagar. Tentei até tentar entender o que as pessoas queriam dizer com devagar. Andar devagar, não falar, mas andar devagar. Alguns médicos me diziam: Marcia, seja você. Você tem um perfil que você pode realizar. Cada um tem seu tempo, o seu tempo é de realizar para ontem. Tem gente que tem tempo para realizar daqui a dez anos, 15 anos, 20 anos, o que não é o meu caso”.
Para ela, programação é fundamental. “Tudo na minha vida eu faço um planejamento, quer seja no campo pessoal ou profissional. Quando eu entro o ano, eu coloco em uma cadernetinha o que eu quero, no lado pessoal, para começar a viver. No lado profissional, eu também planejo, junto com meus superiores, o que eu gostaria de estar realizando. Eu sempre tive essa característica”.
O Turismo corre solto em suas veias. “No curso superior eu me formei em Ciências Contábeis – não tinha faculdade de Turismo, na época. Turismo é venda, é negócio. Eu sempre enxerguei o turismo como um negócio. Então, quando eu comecei a trabalhar, em 1982, junto com a minha faculdade, e foi aí que minha vida começou. Empregada do Instituto Jones dos Santos Neves, trabalhava com um projeto chamado UES. Naquela época, a região de Maria Ortiz era tudo mangue e foi feito um projeto de reconstrução com recursos do BID (Banco Internacional de Desenvolvimento). Na época eu trabalhava no Instituto Jones, junto à Secretaria de Estado de Planejamento, cujo secretário era Albuíno Azeredo, depois ele veio candidato a governador. Era um excelente secretário, muito focado em resultados”.
“Graças a Deus, eu tive bons líderes, boas chefias e alguns, mais calminhos, falavam que eu tinha que ser mais devagar. Então a gente tem que trabalhar de acordo com a pessoa. Quando eu vou trabalhar com alguém, costumo fazer uma ‘radiografia’ do meu líder, até meu tempo de como lidar, de como conviver com ele e com a equipe. Eu só sei trabalhar em grupo, em equipe. Sempre fui de socializar, nunca fui de esconder informação, desde criança, desde brincar de boneca, de carrinho de rolimã, bola de gude, enfim, tudo que uma criança fazia. Como a gente não tinha dinheiro, a gente brincava daquilo que a gente podia ter. Usávamos as panelas velhas da casa e assim a gente ia brincando”.
“O Turismo é a minha área de atuação, começou quando eu tive uma subsecretária, Eliane Abaurre, que me convidou para uma palestra na área do turismo. E nossa coordenadora, que era Maria José Tabachi, não a conhecia, e tinham vários funcionários na palestra. Fui a única, no momento, a levantar e falar: eu quero ir para essa área do Turismo. Fui a primeira funcionária a entrar nessa área do Turismo, quando o Governo do Estado queria extinguir a EMCATUR (Empresa Capixaba de Turismo) e entrar com um modelo de Turismo como atividade econômica. Então foi criada a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico e Social. Depois que foi criada a Secretaria de Desenvolvimento Social e Turismo”.
Dá para sentir, em seu discurso, a paixão que ela tem pelo seu Estado e pelo seu trabalho. “Eu sou uma apaixonada pelo Turismo, eu amo meu Estado, eu conheço os 78 municípios do Espírito Santo, eu conheço o povo. Acho que conhecer cidades, destinos, mais importante é conhecer pessoas. Para mim, o maior atrativo de uma cidade, de um destino, é a pessoa. É muito importante saber receber, saber acolher. E o capixaba está aprendendo, ele não teve essa cultura de ter uma atividade econômica e de ter uma satisfação de um grande Estado.
“Eu sempre falo: vamos voltar no tempo, nas décadas de 50, 60, 70, 80. Tivemos vários governadores que focaram em atividades econômicas, mas o Turismo nunca foi visto como uma atividade desenvolvimentista, que poderia gerar impacto econômico e social, na geração de emprego e renda. O Turismo agrega 52 atividades econômicas. Olha o impacto que você dá na geração de emprego e renda”.
Quando ela quer realmente alguma coisa ela vai atrás. “Costumo dizer que, no dia em que eu sair dessa área do Turismo, pode ter certeza, eu vou ter pouco tempo de vida. É o ar que eu respiro, é toda a minha vida. Quando começou a faculdade de Turismo da UVV (Universidade de Vila Velha) eu fiz o vestibular na primeira turma. Passei, mas não tive condições financeiras de fazer uma faculdade. Então eu me esforcei ao máximo em aprender no dia a dia, na convivência, conhecendo pessoas. Tive um secretário, Paulo Augusto Vivácqua, um homem muito inteligente, consegui aprender muito com ele, e assim, vários empresários, que já faleceram, mas que me ensinaram muito: Marcelo Nader, Tufic Nader, enfim, a geração que desenvolveu o turismo na década de 50 e 60, e eu entrei na década de 80 praticamente uma estagiária dessa geração que também contribuiu muito. Guarapari, na década de 50 e 60, fala muito bem Cacau Monjardim, fez muito bem para desenvolver o Turismo no Estado, mas sempre foi divulgado Guarapari. Para um Estado que tem praia e montanha, houve uma falha no passado em ter divulgado só praias. Se o Brasil, que tem mais de 8 mil quilômetros de litoral, é muita concorrência de destinos. A gente sempre trabalhou, eu, Marcia, com meus chefes, ligando a praia e a montanha. Quando surgiu o programa de Regionalização do Turismo, eu achei perfeito. Inclusive eu participei dessa construção. Fui uma das colegas do grupo do Ministério do Turismo, na época com o Walfrido dos Mares Guia, convidou alguns técnicos do Brasil e eu fui uma delas. Esse programa de Regionalização eu conheço desde 2003, quando começamos a trabalhar, encerrando a municipalização e começando a regionalização.
Marcia é pura paixão. Seus olhos brilham ao falar em Turismo e no Espírito Santo. “Graças a Deus, eu sou uma apaixonada, amo! Tudo que eu tento fazer é junto com os municípios. Quando criamos as Instâncias de Governança, foi para criar um ambiente Público/Privado integrado. Eu vejo hoje a Adeturci (Agência de Desenvolvimento Turístico da Rota da Costa e da Imigração), vejo as Montanhas Capixabas, que são casos de sucesso, como a Região Metropolitana, que foi o primeiro caso de sucesso. Realmente houve uma falha de continuidade. Existe uma deficiência na área pública, na área privada não. É posso ou não posso e acabou. Na área pública, às vezes a gente convive com algumas pessoas vaidosas e elas não querem dar sequência a bons projetos. No passado criamos dez rotas turísticas e não deram sequência, aí, graças a Deus, entrou o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) criando os circuitos turísticos. Isso ajudou muito! Só que isso é um trabalho privado. O setor público tem que ser um indutor: pensar na infraestrutura, na sinalização turística, pensar na saúde, na educação, ele tem que pensar em todo esse contexto, porque o Turismo está na posta. É vender, é divulgar”.
“Graças a Deus, meu nome é Marcia Abraão! E eu tenho uma área muito social. Eu me identifico muito com Deus, tenho um lado religioso muito forte dentro de mim, e a área em que eu trabalho é, praticamente, social. E no meu coração, o que eu puder fazer para ajudar, você pode ter certeza de que é o meu perfil. Se eu não puder ajudar, eu não falo nada e fico na minha. Agora, se me perguntar, eu sou muito sincera! Não enxugo gelo, não!”
Marcia mudou radicalmente sua área de atuação. “Atualmente estou trabalhando na Comissão de Turismo e Desporto da Assembleia Legislativa. Está sendo uma experiência. Nunca trabalhei antes no Legislativo, sempre fui Executivo Estadual e Municipal. Já fui secretária de Linhares, Vitória, Vila Velha, tanto na área do Turismo quanto na Cultura. No Governo do Estado, já consegui conviver com o interior norte com o interior sul, dá para conhecer bem a realidade de cada um. Mas aqui na Assembleia a forma de trabalho é diferente, é mais Legislativo, a Comissão de Turismo sempre trabalhou com projetos, temos planejamento, e, infelizmente 2020 e 2021 nos pegou com essa pandemia. A gente tentava articular formas de ajudar o setor. A gente sempre fazia indicação ao Governo do Estado para poder atender a categoria. A Comissão de Turismo tem muito esse papel articulador. Acompanhar e legislar. Está valendo a experiência, mas eu sou executivo. Eu tenho um amor muito grande em trabalhar na base e aqui eu não me sinto assim. Gosto, venho para cá todos os dias, com muito prazer, com muita satisfação, amo, respeito muito todos os meus colegas de trabalho, mas é um formato diferente, que eu não conhecia. Ainda bem que eu conheci mais velha, porque eu tive mais maturidade para estar convivendo nesse ambiente legislativo. Nunca carreguei bandeira política. Quando eu gosto do candidato até peco para essa pessoa. Não tenho partido, não gosto de me envolver na questão política, sempre fui técnica. Meu partido é o do Turismo”.
Ela não é perfeita e, como todo mundo, às vezes falha. “Algumas vezes eu falhei, na minha vida, por alguma ideologia, mas eu recuo e tenho a humildade de tocar para frente. Valeu a experiência, mas meu sapato mesmo é o franciscano e andar pelo Espírito Santo.
Marcia tem projetos para o futuro. “Tenho conversado muito com Deus, muito. E não adianta eu pensar em projetos para o futuro, porque Deus sabe o que está no meu coração. Então, Ele vai me conduzir. Ele sabe o que eu quero e eu tenho fé. E quero que esse momento aconteça logo”.
Perguntada sobre como estará o Espírito Santo daqui a 20 anos, ela se mostra, como sempre, muito positiva e chega a emocionar quem a ouve. “Eu vou estar com 80. Quero ter saúde, muita saúde, lucidez, para pode estar vendo essa juventude dando um show de bola e ver um Estado encantador. Nosso Estado sempre foi e sempre será. Só falta mesmo o capixaba conhecer esse seu lindo Estado e divulgar. Às vezes falam que isso é papel do governo, mas isso é papel de todos nós capixabas, dos nossos vizinhos. Nós temos muito o que desfrutar. O que o mundo tem, o Espírito Santo tem. Se nós temos um Estado com 52 etnias, então o mundo está aqui dentro. A gente só precisa abrir o livro da história do Espírito Santo, ler, conhecer e vivenciar. Então, daqui há 20 anos, eu quero ter saúde para estar dentro de uma Van, ou dentro de um ônibus, conhecendo o Espírito santo. Ou seja, eu amo o Espírito Santo!”
Texto: Monica Siqueira